Marco Ferrari é Sommelier Profissional e Juiz Qualificador de Vinhos formado pela FISAR (Federação Italiana de Sommelier), é um dos pioneiros no curso de Sommelier no Ceará. Especialista em Enografia e cultura enológica italiana, especialista em vinhos de Bordeaux, palestrante e consultor de vinho com atuação em conceituadas distribuidoras, importadoras, lojas e restaurantes do mercado local, embaixador no Ceará dos vinhos e espumantes do Grupo Famiglia Valduga. O Gastronomia e Mídia convidou Marco Ferrari para contar um pouco sobre sua história com o vinho, trajetória profissional e compartilhar dicas para iniciantes. Confira a entrevista exclusiva!
1. Conta pra gente a sua história com o vinho, como o vinho entrou na sua vida?
A minha história com o vinho começou quando eu ainda era criança. Eu sou italiano, piemontês, nasci na região do Piemonte, e o vinho faz parte do dia a dia das pessoas nessa região, ela é uma das principais produtoras de vinho da Itália. Então, a minha família, a minha avó, na verdade, morava em uma chácara onde tinha vinhedos e ela fazia vinho, mas somente para o consumo da família, era coisa pequena, mas eu me lembro desde criança que eu corria no meio dos parreirais de uvas, participava da vindima, a colheita. Meu pai reunia amigos, conhecidos, parentes, tudo para que no dia da vindima, todos colherem uvas pela manhã, depois almoçar na casa da minha avó e a tarde, todos pisarem nas uvas, produzindo o vinho.
Então, isso faz parte da minha vida desde cedo, entrou no meu DNA, e, quando se apresentou a oportunidade por volta de 1994 aqui em Fortaleza, comecei a trabalhar com vinho, me aproximando no aspecto profissional porque eu encarava o vinho apenas como lazer, bebendo, visitando vinícolas, mas quando apareceu a primeira oportunidade profissional eu agarrei e parti logo no segmento.
2. Se não o primeiro, você foi um dos primeiros a trazer o curso, a formação de sommelier para Fortaleza. De onde surgiu esse desejo de ensinar?
Antes de ser um desejo, era uma necessidade. Alguns anos antes de trazer o curso de sommelier, eu já havia percebido que o consumo do vinho no Ceará só iria se educar e melhorar, se houvesse realmente uma conscientização sobre como o vinho seria melhor aproveitado, como seria melhor consumido, digamos, um percurso educativo. Então, por volta de 2002, eu comecei a perceber que se a gente conseguisse treinar primeiro os profissionais de restaurante, de lojas, e de certa forma, organizar degustações e pequenos eventos para o público consumidor, a gente começaria a ter uma base de educação para poder, naturalmente, melhorar o perfil do consumidor de vinho e logicamente, partir para uma situação um pouquinho melhor.
Foi dando passos como esses até chegar no curso de sommelier em 2014. Pensei no curso porque percebi que o mercado em Fortaleza já estava pronto para receber esse tipo de iniciativa. Começamos a primeira turma de Nível 1, e até hoje não paramos. Foram cerca de 20 turmas de sommelier nível 1, aproximadamente 300 pessoas impactadas e foram formados mais de 100 sommeliers no estado do Ceará. Isso foi crescendo e continua crescendo até hoje.
3. Do início até agora, você tem notado que as pessoas têm procurado a saber mais sobre o mundo do vinho? Por que?
Sim, as pessoas têm procurado saber mais porque o vinho tem um caráter muito agregador, por exemplo, quando você está em um grupo de amigos tomando outra bebida, como cerveja por exemplo, as pessoas estão conversando, falando de uma coisa, de outra, certamente elas não vão falar da cerveja. Se você estiver no mesmo grupo tomando um vinho, provando vinho, comendo alguma coisa, um acompanhamento, em um determinado momento o assunto vai cair em cima do vinho. "Ah, esse vinho tem um sabor assim. Comprei naquela região...", aí puxa uma historinha, uma conversa, então isso é muito agregador.
O vinho traz curiosidade e quando as pessoas começam a gostar de algo, a tendência é saber cada vez mais. Se você gosta de motocicleta, por exemplo, você não vai só comprar uma motocicleta e andar, vai querer ler a revista de motocicleta, ler algum livro, ver, assistir algum filme, mesma coisa se você gostar de quatro por quatro, se gostar de moda, etc. Então, tudo isso faz com que o interesse para o vinho cresça cada vez mais e há um passo que cresce no aspecto, vamos dizer assim, lúdico, de quem gosta de vinho, do outro lado aparece uma demanda do aspecto profissional porque o profissional tem que se adequar para atender essa exigência do público consumidor, então é praticamente os dois aspecto crescendo. É por isso que eu vejo que realmente teve crescimento e acredito que tem muito para crescer ainda mais.
4. Uma dúvida muito comum é de como encontrar o seu estilo de vinho. Conta pra gente como podemos identificar o vinho ideal para cada gosto.
Isso é um pouco complicado porque basicamente o gosto da gente é muito variado, cada pessoa tem gosto peculiar, e na verdade, os vinhos são muito distintos, muito diferentes. Então, uma dica mais interessante do que se preocupar qual é o vinho que eu mais gosto, poderia ser, qual é o vinho que nesse momento mais se adapta com a situação em que eu estou vivendo. Se eu estou em uma situação, por exemplo, um lugar tropical, uma situação de tarde, depende do ambiente, se for um jantar, o tinto pode ser mais interessante, pode combinar mais. Então, acredito que mais do que fazer uma harmonização, fazer uma escolha de um tipo de vinho, eleger esse vinho como o meu favorito, pode ser mais interessante diversificar vários tipos de vinho para vários momentos e tentar harmonizar o vinho. Não só com a comida, mas com o momento, com a companhia, com a situação que a gente está vivendo para acrescentar a experiência.
5. É verdade que o estilo de vinho que a gente gosta está ligado aos hábitos alimentares? Se eu prefiro um chocolate mais amargo, café sem açúcar.
Existem estudos que de fato comprovam ou procuram comprovar que os hábitos alimentares das pessoas coincidem também com o gosto do vinho. As duas são ligadas entre si, ou seja, aqueles que têm um paladar que é mais voltado para o amargo, os sabores fortes, um paladar mais voltado para o amargo, que prefere café amargo, chocolate 80%, 90%, 100% cacau, enfim... sabores com poucos açúcares, costuma-se dizer que tem mais afinidade com vinhos tânicos, com vinho estruturado, com vinhos encorpado. Isso porque o tanino é um componente amargo do vinho. Mas, veja bem, não é que o vinho tânico seja amargo.
Existe o trabalho do enólogo que amacia os taninos no período de afinamento do vinho quando o vinho convive com pequenas doses de oxigênio dentro da madeira geralmente, dentro de uma barrica, tem contato através dos pós da própria madeira, então ali acontece a chamada polimerização das dos taninos, os taninos se tornam macio e o amargor dele desaparece no aspecto da degustação. Mas o amargor do tanino ainda existe, é um fato, só que não é perceptível organolépticamente, nós não percebemos esse amargor justamente devido ao bom trabalho do enólogo, da maturação primeiro, da uva, bem maduro, maturação fenólica e sucessivamente do período de afinamento, então esses taninos não são perceptíveis normalmente em seu amargor, porém o amargor está aqui porque latente, está lá dentro. Então pra quem já tem o hábito de apreciar o amargor, parece que tem mais afinidade com os vinhos mais encorpados, mais estruturados e mais tânicos.
Já aquele que tem uma afinidade maior com alimentação açucarada, como refrigerante, sorvete, chocolate ao leite, cerveja gelada, que tem uma tolerância maior ao açúcar, a tendência seja para os vinhos mais leves, mais refrescantes. Os vinhos que tem um pouco de tanino, que tem mais frutas, mais aromas de fruta. Então existem estudos com relação a isso e são bastante interessantes. De fato, se podemos dizer que existe essa afinidade, existe essa identificação do gosto da pessoa dependendo como for com vinho mais e menos encorpado.
6. Muito se vê pessoas olhando o vinho, cheirando, mexendo o vinho na taça. Pode explicar pra gente por que isso é feito?
Essas são todas as técnicas de análise sensorial de degustação que visam aproveitar melhor a qualidade que o vinho tem. Então é importante o cuidado com a conservação do vinho, com a temperatura de serviço do vinho e também buscar aproveitá-lo ao máximo. Por exemplo, o gesto de agitar a taça para movimentar o vinho dentro dela, você está ampliando a superfície de contato do vinho com o ar, com o oxigênio, isso faz com que os aromas do vinho se soltem com mais facilidade, fique preso dentro da taça, porque a taça geralmente tem a boca bem mais fechadinha, então o aroma do vinho fica no bojo e nós podemos, portanto, aproveitar esse perfume que o vinho exala e perceber as diferenças, ver que o vinho branco tem um cheiro assim, um tinto tem um cheiro assado e dentro disso, aproveitar ao máximo porque infelizmente o vinho do Brasil tem um preço bastante elevado, então vale a pena utilizarmos de todos os recursos possíveis para aproveitar ao máximo essa experiência, aproveitar o investimento para que a experiência e o momento se torne mais interessante. E qualquer pessoa pode utilizar a técnica porque se trata de muito simples.
A análise sensorial, a degustação do vinho é um exercício que todos nós podemos fazer, nós temos capacidade de perceber aromas, de perceber sabores, gostos diferente, o que nós precisamos é praticar com atenção essa degustação pra gente começar a perceber essas diferenças, aproveitar mais o tipo de sensação que o vinho nos passa, e dessa forma, além do prazer maior no consumo do vinho, nós temos também uma litragem menor, ou seja, você bebe menos, a tendência é você beber melhor e aproveita mais aquilo que você bebe, então diminui sua quantidade e melhora a sua qualidade. Isso está ao alcance de qualquer um de nós.
7. Para finalizar, faça um convite para quem tem interessa em aprender mais sobre o vinho e deseja fazer o curso de sommelier, seja por hobby ou profissional.
Com certeza! Nós estamos sempre lançando novas turmas, temos agora turmas em andamento, uma do Nível 2 que em breve vai começar as aulas e em seguida, teremos uma turma de Nível 3, que é finalizando o curso em um percurso que começamos no ano passado. Abriremos um novo ciclo esse ano ainda, temos duas datas em outubro e uma data em novembro onde vai começar um outro Nível 1. Quem tiver interesse em participar, pode entrar em contato comigo na rede social (@vinhofortaleza), a gente explica bem direitinho como funciona o curso, tira dúvidas. Realmente é um curso muito abrangente, muito interessante e eu acredito que só tenha somado porque quando você começa a gostar de algo, a tendência é que ao conhecer mais, você consiga gostar cada vez mais e aproveitar melhor cada momento.
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